O presidente diz ainda que “já conhecia” João Augusto Henriques e que “nunca mais” viu o referido empresário após o encontro de 2010. |
Um ex-executivo da Odebrecht afirmou à equipe da Operação Lava Jato que o presidente Michel Temer participou de uma reunião em 2010 para tratar de doações à campanha eleitoral do PMDB daquele ano em troca de facilitar a atuação da empreiteira em projetos da Petrobras.
Segundo o relato, o encontro ocorreu no escritório de Temer em São Paulo e contou com a presença do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de João Augusto Henriques, apontado como um dos lobistas do PMDB na Petrobras, e de Márcio Faria, então presidente da Odebrecht Engenharia Industrial, braço da empreiteira responsável por obras industriais no Brasil e no exterior.
À época, Temer era deputado federal, presidente do PMDB e candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff (PT). Cunha concorria à reeleição para a Câmara.
A Folha apurou que Faria é o executivo que detalhou a reunião no seu acordo de delação premiada. Ele é um dos 77 funcionários do grupo baiano que firmaram acordo com a Lava Jato e, desde a semana passada, têm prestado depoimentos ao Ministério Público Federal.
Procurado, Temer afirmou, via assessoria, que Cunha levou um empresário a seu escritório em 2010. O presidente diz que “pode ser o referido senhor Márcio Faria, mas não pode garantir”.
A Folha apurou com três pessoas relacionadas à investigação que a contrapartida para as doações eleitorais ao PMDB em 2010 estaria ligada a benefícios para a Odebrecht em obras do chamado Projeto PAC SMS (Plano de Ação de Certificação em Segurança, Meio Ambiente e Saúde) da Petrobras.
Ligado ao PMDB, João Henriques já afirmou que um contrato de quase US$ 1 bilhão foi fechado às vésperas do segundo turno das eleições de 2010 entre a área internacional da Petrobras, sobre a qual ele tinha influência, e a Odebrecht.
Segundo o acordo, a empreiteira cuidaria, no âmbito do PAC SMS, da segurança ambiental da estatal em dez países. A Odebrecht Engenharia Industrial, presidida à época por Faria, era responsável pelos contratos de prestação de serviço do projeto para a área de negócios internacionais da Petrobras.
Pessoas ligadas às investigações afirmaram ainda que Cunha mencionou a reunião em São Paulo quando elaborou 41 perguntas a Temer no mês passado, ao arrolar o presidente como sua testemunha de defesa na Lava Jato.
Preso em Curitiba sob acusação de envolvimento no esquema da Petrobras, o ex-presidente da Câmara questionou, na pergunta de número 34, se Temer tinha conhecimento de “alguma reunião sua [dele] com fornecedores da área internacional da Petrobras com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010, no seu escritório político, juntamente com o sr. João Augusto Henriques”.
O juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na primeira instância, indeferiu essa e outras 20 questões que não foram encaminhadas a Temer pois, segundo o magistrado, eram “inapropriadas”.
O juiz disse que não tinha prerrogativas legais para investigar Temer, que, como presidente, tem foro privilegiado e deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
Cunha e Henriques estão presos no Paraná. Márcio Faria, delator da Odebrecht, foi detido em junho de 2015, em operação que também prendeu o então presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, mas foi solto em abril e hoje segue em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
Além do encontro de 2010, o nome de Temer foi citado em outras delações no contexto de um jantar no Palácio do Jaburu, em maio de 2014, quando, de acordo com os depoimentos, o peemedebista acertou com Marcelo Odebrecht o repasse de R$ 10 milhões ao PMDB.
OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, Temer confirmou, por meio de sua assessoria, que participou de reunião em 2010 com a presença de Eduardo Cunha e de um empresário que, segundo ele, “pode ser” Márcio Faria, ex-executivo da Odebrecht, em seu escritório em São Paulo.
Temer afirma ainda que o encontro, segundo ele organizado por Cunha, serviria para que o então deputado apresentasse um empresário “disposto a contribuir para campanhas do PMDB”.
Segundo ele, no encontro não se falou de valores e obras ou projetos nos quais a Odebrecht poderia atuar.
“Em 2010, o então deputado Eduardo Cunha levou um empresário ao escritório do presidente, que não se recorda do nome ou da empresa que este representava. Cunha alegou que o empresário estaria disposto a contribuir para campanhas do PMDB e que gostaria de conhecer o então candidato a vice-presidente. O presidente o recebeu por breve tempo”, diz a nota.
O presidente diz ainda que “já conhecia” João Augusto Henriques e que “nunca mais” viu o referido empresário após o encontro de 2010.
“[Temer] somente recebeu um empresário em seu escritório, que pode ser o referido senhor Márcio Faria, mas não pode garantir. Nunca mais o viu. O presidente já conhecia João Henriques”, completa.
Advogado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Ticiano Figueiredo afirmou à reportagem que não teve acesso aos termos de delação da Odebrecht e que causa “perplexidade” que uma informação sigilosa tenha vindo a público “sem que as partes contempladas nele tenham conhecimento de seu conteúdo”.
A defesa do empresário e lobista João Augusto Henriques, representada pelo advogado José Cláudio Marques, disse à reportagem que “até o momento, desconheço tal fato e poderei me manifestar melhor oportunamente”.
A Odebrecht, por sua vez, tem afirmado que não vai se manifestar sobre a negociação com a Justiça e que “reforça seu compromisso com uma atuação ética, íntegra e transparente”.