“Estamos aqui para defender vocês”.
Foi esta frase que o jornalista Cássio Santana, de 27 anos, ouviu após ser agredido com um soco no rosto que o jogou no chão, ameaçado e algemado no último dia 5 de janeiro, no bairro de Santa Cruz, em Salvador. Não faz parte da lógica humana assimilar como defesa um murro, coações e o fato de ter duas algemas envolvendo os braços.
Entretanto, esta foi a justificativa dada a Cássio por um grupo de 12 policiais civis, depois de ter sido alvo de uma abordagem que deixou uma marca difícil de apagar. Acostumado a assistir a casos semelhantes de violência policial na comunidade onde vive, o jornalista conta ter sentido na pele o horror de uma abordagem truculenta. Tudo ocorreu em uma tarde de quinta-feira que o jovem, certamente, não vai esquecer. Secretário da Associação de Moradores do Loteamento Nova República, Cássio saía de casa para realizar o cadastro de jovens da comunidade no programa Jovem Aprendiz.
A poucos metros de sua residência, ele se deparou com uma guarnição da Coordenadoria de Operações Especiais (COE), que realizava operação no local. Neste momento, foi abordado por policiais que, segundo ele, questionavam de forma truculenta “onde estão os caras”. Ao responder que não sabia do que se tratava, as agressões começaram, conta. “Eles exigiram meu celular. Eu desbloqueei o celular, dei a eles, porque não tinha nada. Aí, na hora, eles leram uma mensagem de alguém da associação que dizia para as pessoas ficarem em casa, tomando cuidado, pois a polícia estava ali e podia iniciar algum tiroteio”, relatou. De acordo com Cássio, após ler as mensagens, os policiais passaram a chama-lo de “bandido” e imputaram a ele a acusação de formação de quadrilha. Ao reclamar do fato de os agentes terem acessado o conteúdo do seu aparelho celular sem autorização judicial, o jornalista passou a ser agredido. “Eles foram para minha casa, nós discutimos mais. Lá, eles pegaram meu celular e disseram que eu só pegaria ele se fosse ao DHPP. Eles foram embora e, depois de três minutos, retornaram com a guarnição completa”, relatou. Com cerca de 12 policiais em sua casa, Cássio recebeu voz de prisão. Preocupado com o destino do filho, o pai dele reivindicou aos agentes o direito de seguir a viatura policial até a delegacia. Os policiais negaram e passaram a ameaçá-lo de prisão também. Algemado, Cássio foi levado pelos agentes a um beco, onde, de acordo com ele, acabou sendo xingado de “uma sorte de nomes e ameaças”. Na rua, entretanto, Cássio foi salvo pelos vizinhos. Indignada com a prisão do morador, a população reagiu e levou os policiais a recuarem. Após os protestos, os agentes deixaram o local, sem levá-lo preso.
No dia seguinte, Cássio registrou uma ocorrência junto à Corregedoria da Polícia Civil. Também recorreu à Defensoria Pública da Bahia (DP-BA). Ainda indignado e desapontado com a ação de um braço do estado responsável pela proteção da população, Cássio critica a ação da polícia nas periferias do país. “A gente mora em um lugar desassistido pelo estado. Conheço muitas histórias semelhantes de vizinhos e colegas. Do mesmo jeito que eles me abordaram, eles abordaram um colega no dia seguinte e colocaram uma faca no pescoço dele”, disse. Para o jornalista, o pior só não aconteceu devido ao fato de ter dito ser aluno da Faculdade de Comunicação (Facom) da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e mostrar conhecer seus direitos.
“É muito importante as pessoas conhecerem seus direitos. Quando eu questionei a ação, com base na Constituição, senti um certo recuo. A gente se sente impotente porque é uma prática regular. É realmente algo bem desagradável. Quando a polícia chega, todo mundo entra em casa. Eles entram na casa das pessoas, espancam pessoas, matam pessoas. A polícia não pode fazer o que quiser. Ela tem que agir na legalidade”
Criticou. Em nota enviada, a assessoria de comunicação da Polícia Civil informou que o caso está sendo investigado pela Corregedoria da corporação, a Correpol.
Ainda segundo a polícia, Cássio, que acabou de ser aprovado no mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Ufba, fez exames de corpo de delito no Departamento de Polícia Técnica. A assessoria informou também que fotografias de parte dos envolvidos na operação foram exibidas, mas ele não reconheceu nenhum dos policiais que o teriam agredido. “As escalas de pessoal de outros departamentos que participaram da ação de combate ao tráfico de drogas no Nordeste de Amaralina, no dia do ocorrido, já foram solicitadas pela Correpol, para que outras fotos sejam exibidas ao estudante”, detalhou. Segundo a ouvidora-geral da DP-BA, Vilma Reis, o caso já foi encaminhado à Especializada de Violência Institucional do órgão. Na próxima semana, Cássio também terá uma audiência com um defensor público. Ainda de acordo com Vilma, a DP-BA deve solicitar proteção à família do jornalista. “O que aconteceu com Cássio é o cotidiano da ação da polícia: sexismo, racismo, homofobia, lesbofobia e desprezo aos pobres”, criticou a ouvidora-geral. Agora, Cássio pretende ir até o fim na busca por justiça. “Eles podem até me matar, mas eu não vou me dobrar. Pretendo ir até fim. A gente vive numa guerra que não é nossa. A gente vive agredido por bandidos e policiais”, lamenta.